Por Altamiro Borges*
O sindicalismo brasileiro terá enormes desafios na nova etapa da luta de classes que será aberta com a posse da presidenta Dilma Rousseff. Na história recente, o movimento sindical atravessou, basicamente, quatro importantes fases. É preciso extrair lições deste complexo período.
Quatro fases na história recente
A primeira fase foi marcada pelo brutal retrocesso imposto pelo golpe militar de 1964. Após um período de ascensão das lutas populares, em especial no governo João Goulart, houve um corte cirúrgico e sangrento. Mais de 70% dos maiores sindicatos sofreram a intervenção dos generais golpistas; centenas de lideranças foram presas, exiladas ou assassinadas nas masmorras de tortura. A ditadura impôs a paz do cemitério, esvaziando os sindicatos, proibindo greves, cerceando a liberdade de expressão e manifestação.
A segunda fase se inicia com a retomada das lutas dos trabalhadores. A greve de maio de 1978 dos metalúrgicos da multinacional Scania, em São Bernardo do Campo, é o marco desta nova etapa. Aos poucos a ditadura perde força e o sindicalismo reocupa papel de destaque no cenário nacional. Ele, inclusive, vira uma referência internacional. O país bate recordes de greves, ganha influência política e projeta lideranças – com destaque para o líder operário do ABC, Luis Inácio Lula da Silva. Num mundo que já assistia a retirada de direitos trabalhista, o Brasil aprova a “Constituição Cidadã”, como bem definiu o democrata Ulisses Guimarães, e arranca a redução da jornada de 48 para 44 horas semanais e vários outros direitos.
A terceira fase tem início com a vingança das elites patronais. A partir da eleição de Fernando Collor de Melo, elas impõem o receituário neoliberal de desmonte do estado, da nação e do trabalho. Collor é deposto, mas com FHC esta ofensiva regressiva e destrutiva ganha impulso. O desemprego bate recorde; o Exército ocupa as refinarias de Petrobras para derrotar os petroleiros grevistas e para “quebrar a espinha dorsal” do sindicalismo; os direitos trabalhistas são suprimidos de forma acelerada. O reinado de FHC é desastroso para os sindicatos, que perdem associados, assistem ao esvaziamento das assembléias, têm dificuldades para deflagrar greves e ainda se engalfinham em lutas internas.
Passividade e voluntarismo
A quarta fase é a que foi aberta com a histórica eleição de Lula para presidência da República. Muitos estudos ainda serão produzidos para entender o seu real impacto no sindicalismo. Num primeiro momento, a vitória gerou certa confusão no sindicalismo. Afinal, o Brasil nunca teve na sua história um governo oriundo de suas lutas, um presidente operário. Ele sempre foi governado por representantes da elite e os poucos que tentaram ceder algo aos trabalhadores, como Getúlio Vargas e João Goulart, foram derrubados por golpes.
Diante dos recuos iniciais do governo Lula, uma parte do sindicalismo adotou uma postura passiva, acrítica, alegando que qualquer pressão poderia servir ao jogo da direita golpista. Outra parte optou por fazer uma oposição frontal, não levando em conta a correlação de forças e os perigos de retrocesso. Estes dois extremos geraram confusão e divisão no sindicalismo. A CUT, que poderia viver a sua fase áurea com a chegada do seu fundador ao Palácio do Planalto, teve dificuldades para entender a nova realidade, caiu numa certa paralisia e sofreu três rachas seguidos, com a fundação do Conlutas, Intersindical e CTB.
A crise do sindicalismo, deflagrada pelo desmonte neoliberal imposto por FHC, tornou-se ainda mais grave devido à difícil e complexa relação diante de um governo oriundo de suas lutas.
Os três princípios “sagrados”
Com o tempo, porém, o sindicalismo foi tirando lições deste rico processo e aprimorou as suas formas de atuação. Ele passou a combinar melhor três princípios “sagrados”: autonomia diante dos governos, pressão permanente e habilidade política, para não fazer o jogo dos inimigos. Aos poucos, ele foi colhendo vitórias.
Uma das mais expressivas foi o acordo firmado com o governo Lula de valorização do salário mínimo, com reposição da inflação e metade do índice de crescimento da economia. Também conseguiu corrigir, parcialmente, a tabela do imposto de renda e enterrou, mesmo que temporariamente, as propostas de novas contra-reformas trabalhista e previdenciária. Nas bases, muitos sindicatos reverteram processos de terceirização e anularam inúmeros acordos de precarização do trabalho – como contratos temporários, banco de horas e outros.
A legalização das centrais sindicais
Outra vitória de enorme dimensão foi a conquista da legalização das centrais sindicais. Nunca antes na história do país os trabalhadores puderam se organizar enquanto classe, de forma horizontal. Atualmente, seis já são reconhecidas formalmente. Pela última aferição do Ministério do Trabalho, de março passado, a CUT representa 38,23% dos sindicalizados; seguida da Força Sindical, com 13,71%; a jovem CTB aparece em terceiro, 7,55%; a UGT tem 7,19%; NCST (6,69%); e a CGTB (5,04%).
Pela Lei 11.648, uma conquista histórica aprovada em 2008, as centrais representam o conjunto dos trabalhadores em fóruns de negociação e contam com recursos da Contribuição Sindical para investir nas suas ações - em 2009, as seis centrais reconhecidas receberam os R$ 80,9 milhões.
Mais maduras, elas também procuraram encontrar pontos de unidade na diversidade, superando divergências e disputas. Elas agiram unitariamente na conquista do acordo do salário mínimo e em outras batalhas. O ponto alto desta unidade se deu neste ano com a realização da Conferência Nacional das Classes Trabalhadores (Conclat), que reuniu mais de 30 mil ativistas sindicais no Estádio do Pacaembu, e aprovou uma plataforma unitária para a sucessão presidencial.
*Jornalista, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé” e membro do Comitê Central do PCdoB.
Publicado originalmente no Blog do Miro – http://altamiroborges.blogspot.com/
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