“Senhor
presidente da Assembleia Geral, Nassir Abdulaziz Al-Nasser,
Senhor
secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,
Senhoras
e senhores chefes de Estado e de Governo,
Senhoras
e senhores,
Pela
primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o Debate
Geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna que tem
o compromisso de ser a mais representativa do mundo.
É
com humildade pessoal, mas com justificado orgulho de mulher, que vivo este
momento histórico.
Divido
esta emoção com mais da metade dos seres humanos deste Planeta, que, como eu,
nasceram mulher, e que, com tenacidade, estão ocupando o lugar que merecem no
mundo. Tenho certeza, senhoras e senhores, de que este será o século das
mulheres.
Na
língua portuguesa, palavras como vida, alma e esperança pertencem ao gênero
feminino. E são também femininas duas outras palavras muito especiais para mim:
coragem e sinceridade. Pois é com coragem e sinceridade que quero lhes falar no
dia de hoje.
Senhor
Presidente,
O
mundo vive um momento extremamente delicado e, ao mesmo tempo, uma grande
oportunidade histórica. Enfrentamos uma crise econômica que, se não debelada,
pode se transformar em uma grave ruptura política e social. Uma ruptura sem
precedentes, capaz de provocar sérios desequilíbrios na convivência entre as
pessoas e as nações.
Mais
que nunca, o destino do mundo está nas mãos de todos os seus governantes, sem
exceção. Ou nos unimos todos e saímos, juntos, vencedores ou sairemos todos
derrotados.
Agora,
menos importante é saber quais foram os causadores da situação que enfrentamos,
até porque isto já está suficientemente claro. Importa, sim, encontrarmos
soluções coletivas, rápidas e verdadeiras.
Essa
crise é séria demais para que seja administrada apenas por uns poucos países.
Seus governos e bancos centrais continuam com a responsabilidade maior na
condução do processo, mas como todos os países sofrem as conseqüências da
crise, todos têm o direito de participar das soluções.
Não
é por falta de recursos financeiros que os líderes dos países desenvolvidos
ainda não encontraram uma solução para a crise. É, permitam-me dizer, por falta
de recursos políticos e algumas vezes, de clareza de ideias.
Uma
parte do mundo não encontrou ainda o equilíbrio entre ajustes fiscais
apropriados e estímulos fiscais corretos e precisos para a demanda e o
crescimento. Ficam presos na armadilha que não separa interesses partidários
daqueles interesses legítimos da sociedade.
O
desafio colocado pela crise é substituir teorias defasadas, de um mundo velho,
por novas formulações para um mundo novo. Enquanto muitos governos se encolhem,
a face mais amarga da crise – a do desemprego – se amplia. Já temos 205 milhões
de desempregados no mundo. 44 milhões na Europa. 14 milhões nos Estados Unidos.
É vital combater essa praga e impedir que se alastre para outras regiões do
Planeta.
Nós,
mulheres, sabemos, mais que ninguém, que o desemprego não é apenas uma estatística.
Golpeia as famílias, nossos filhos e nossos maridos. Tira a esperança e deixa a
violência e a dor.
Senhor
Presidente,
É
significativo que seja a presidenta de um país emergente, um país que vive
praticamente um ambiente de pleno emprego, que venha falar, aqui, hoje, com
cores tão vívidas, dessa tragédia que assola, em especial, os países
desenvolvidos.
Como
outros países emergentes, o Brasil tem sido, até agora, menos afetado pela
crise mundial. Mas sabemos que nossa capacidade de resistência não é ilimitada.
Queremos – e podemos – ajudar, enquanto há tempo, os países onde a crise já é
aguda.
Um
novo tipo de cooperação, entre países emergentes e países desenvolvidos, é a
oportunidade histórica para redefinir, de forma solidária e responsável, os
compromissos que regem as relações internacionais.
O
mundo se defronta com uma crise que é ao mesmo tempo econômica, de governança e
de coordenação política.
Não
haverá a retomada da confiança e do crescimento enquanto não se intensificarem
os esforços de coordenação entre os países integrantes da ONU e as demais
instituições multilaterais, como o G-20, o Fundo Monetário, o Banco Mundial e
outros organismos. A ONU e essas organizações precisam emitir, com a máxima
urgência, sinais claros de coesão política e de coordenação macroeconômica.
As
políticas fiscais e monetárias, por exemplo, devem ser objeto de avaliação
mútua, de forma a impedir efeitos indesejáveis sobre os outros países, evitando
reações defensivas que, por sua vez, levam a um círculo vicioso.
Já
a solução do problema da dívida deve ser combinada com o crescimento econômico.
Há sinais evidentes de que várias economias avançadas se encontram no limiar da
recessão, o que dificultará, sobremaneira, a resolução dos problemas fiscais.
Está
claro que a prioridade da economia mundial, neste momento, deve ser solucionar
o problema dos países em crise de dívida soberana e reverter o presente quadro
recessivo. Os países mais desenvolvidos precisam praticar políticas coordenadas
de estímulo às economias extremamente debilitadas pela crise. Os países
emergentes podem ajudar.
Países
altamente superavitários devem estimular seus mercados internos e, quando for o
caso, flexibilizar suas políticas cambiais, de maneira a cooperar para o
reequilíbrio da demanda global.
Urge
aprofundar a regulamentação do sistema financeiro e controlar essa fonte
inesgotável de instabilidade. É preciso impor controles à guerra cambial, com a
adoção de regimes de câmbio flutuante. Trata-se, senhoras e senhores, de
impedir a manipulação do câmbio tanto por políticas monetárias excessivamente
expansionistas como pelo artifício do câmbio fixo.
A
reforma das instituições financeiras multilaterais deve, sem sombra de dúvida,
prosseguir, aumentando a participação dos países emergentes, principais
responsáveis pelo crescimento da economia mundial.
O
protecionismo e todas as formas de manipulação comercial devem ser combatidos,
pois conferem maior competitividade de maneira espúria e fraudulenta.
Senhor
Presidente,
O
Brasil está fazendo a sua parte. Com sacrifício, mas com discernimento,
mantemos os gastos do governo sob rigoroso controle, a ponto de gerar vultoso
superávit nas contas públicas, sem que isso comprometa o êxito das políticas
sociais, nem nosso ritmo de investimento e de crescimento.
Estamos
tomando precauções adicionais para reforçar nossa capacidade de resistência à
crise, fortalecendo nosso mercado interno com políticas de distribuição de
renda e inovação tecnológica.
Há
pelo menos três anos, senhor Presidente, o Brasil repete, nesta mesma tribuna,
que é preciso combater as causas, e não só as consequências da instabilidade
global.
Temos
insistido na interrelação entre desenvolvimento, paz e segurança; e que
as políticas de desenvolvimento sejam, cada vez mais, associadas às estratégias
do Conselho de Segurança na busca por uma paz sustentável.
É
assim que agimos em nosso compromisso com o Haiti e com a Guiné-Bissau. Na
liderança da Minustah, temos promovido, desde 2004, no Haiti, projetos
humanitários, que integram segurança e desenvolvimento. Com profundo respeito à
soberania haitiana, o Brasil tem o orgulho de cooperar para a consolidação da
democracia naquele país.
Estamos
aptos a prestar também uma contribuição solidária, aos países irmãos do mundo
em desenvolvimento, em matéria de segurança alimentar, tecnologia agrícola,
geração de energia limpa e renovável e no combate à pobreza e à fome.
Senhor
Presidente,
Desde
o final de 2010, assistimos a uma sucessão de manifestações populares que se
convencionou denominar “Primavera Árabe”. O Brasil é pátria de adoção de muitos
imigrantes daquela parte do mundo. Os brasileiros se solidarizam com a busca de
um ideal que não pertence a nenhuma cultura, porque é universal: a liberdade.
É
preciso que as nações aqui reunidas encontrem uma forma legítima e eficaz de
ajudar as sociedades que clamam por reforma, sem retirar de seus cidadãos a
condução do processo.
Repudiamos
com veemência as repressões brutais que vitimam populações civis. Estamos
convencidos de que, para a comunidade internacional, o recurso à força deve ser
sempre a última alternativa. A busca da paz e da segurança no mundo não pode
limitar-se a intervenções em situações extremas.
Apoiamos
o Secretário-Geral no seu esforço de engajar as Nações Unidas na prevenção de
conflitos, por meio do exercício incansável da democracia e da promoção do
desenvolvimento.
O
mundo sofre, hoje, as dolorosas consequências de intervenções que agravaram os
conflitos, possibilitando a infiltração do terrorismo onde ele não existia,
inaugurando novos ciclos de violência, multiplicando os números de vítimas
civis.
Muito
se fala sobre a responsabilidade de proteger; pouco se fala sobre a
responsabilidade ao proteger. São conceitos que precisamos amadurecer juntos.
Para isso, a atuação do Conselho de Segurança é essencial, e ela será tão mais
acertada quanto mais legítimas forem suas decisões. E a legitimidade do próprio
Conselho depende, cada dia mais, de sua reforma.
Senhor
Presidente,
A
cada ano que passa, mais urgente se faz uma solução para a falta de
representatividade do Conselho de Segurança, o que corrói sua eficácia. O
ex-presidente Joseph Deiss recordou-me um fato impressionante: o debate em
torno da reforma do Conselho já entra em seu 18º ano. Não é possível, senhor
Presidente, protelar mais.
O
mundo precisa de um Conselho de Segurança que venha a refletir a realidade
contemporânea; um Conselho que incorpore novos membros permanentes e
não-permanentes, em especial representantes dos países em desenvolvimento.
O
Brasil está pronto a assumir suas responsabilidades como membro permanente do
Conselho. Vivemos em paz com nossos vizinhos há mais de 140 anos. Temos
promovido com eles bem-sucedidos processos de integração e de cooperação.
Abdicamos, por compromisso constitucional, do uso da energia nuclear para fins
que não sejam pacíficos. Tenho orgulho de dizer que o Brasil é um vetor de paz,
estabilidade e prosperidade em sua região, e até mesmo fora dela.
No
Conselho de Direitos Humanos, atuamos inspirados por nossa própria história de
superação. Queremos para os outros países o que queremos para nós mesmos.
O
autoritarismo, a xenofobia, a miséria, a pena capital, a discriminação, todos
são algozes dos direitos humanos. Há violações em todos os países, sem exceção.
Reconheçamos esta realidade e aceitemos, todos, as críticas. Devemos nos
beneficiar delas e criticar, sem meias-palavras, os casos flagrantes de
violação, onde quer que ocorram.
Senhor
Presidente,
Quero
estender ao Sudão do Sul as boas vindas à nossa família de nações. O Brasil
está pronto a cooperar com o mais jovem membro das Nações Unidas e contribuir
para seu desenvolvimento soberano.
Mas
lamento ainda não poder saudar, desta tribuna, o ingresso pleno da Palestina na
Organização das Nações Unidas. O Brasil já reconhece o Estado palestino como
tal, nas fronteiras de 1967, de forma consistente com as resoluções das Nações
Unidas. Assim como a maioria dos países nesta Assembléia, acreditamos que é
chegado o momento de termos a Palestina aqui representada a pleno título.
O
reconhecimento ao direito legítimo do povo palestino à soberania e à
autodeterminação amplia as possibilidades de uma paz duradoura no Oriente
Médio. Apenas uma Palestina livre e soberana poderá atender aos legítimos
anseios de Israel por paz com seus vizinhos, segurança em suas fronteiras e
estabilidade política em seu entorno regional.
Venho
de um país onde descendentes de árabes e judeus são compatriotas e convivem em
harmonia – como deve ser.
Senhor
Presidente,
O
Brasil defende um acordo global, abrangente e ambicioso para combater a mudança
do clima no marco das Nações Unidas. Para tanto, é preciso que os países
assumam as responsabilidades que lhes cabem.
Apresentamos
uma proposta concreta, voluntária e significativa de redução [de emissões],
durante a Cúpula de Copenhague, em 2009. Esperamos poder avançar já na reunião
de Durban, apoiando os países em desenvolvimento nos seus esforços de redução
de emissões e garantindo que os países desenvolvidos cumprirão suas obrigações,
com novas metas no Protocolo de Quioto, para além de 2012.
Teremos
a honra de sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável, a Rio+20, em junho do ano que vem. Juntamente com o
Secretário-Geral Ban Ki-moon, reitero aqui o convite para que todos os Chefes
de Estado e de Governo compareçam.
Senhor
Presidente e minhas companheiras mulheres de todo mundo,
O
Brasil descobriu que a melhor política de desenvolvimento é o combate à
pobreza. E que uma verdadeira política de direitos humanos tem por base a
diminuição da desigualdade e da discriminação entre as pessoas, entre as
regiões e entre os gêneros.
O
Brasil avançou política, econômica e socialmente sem comprometer sequer uma das
liberdades democráticas. Cumprimos quase todos os Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio, antes 2015. Saíram da pobreza e ascenderam para a classe média no
meu país quase 40 milhões de brasileiras e brasileiros. Tenho plena convicção
de que cumpriremos nossa meta de, até o final do meu governo, erradicar a
pobreza extrema no Brasil.
No
meu país, a mulher tem sido fundamental na superação das desigualdades sociais.
Nossos programas de distribuição de renda têm nas mães a figura central. São
elas que cuidam dos recursos que permitem às famílias investir na saúde e na
educação de seus filhos.
Mas
o meu país, como todos os países do mundo, ainda precisa fazer muito mais pela
valorização e afirmação da mulher. Ao falar disso, cumprimento o
secretário-geral Ban Ki-moon pela prioridade que tem conferido às mulheres em
sua gestão à frente das Nações Unidas.
Saúdo,
em especial, a criação da ONU Mulher e sua diretora-executiva, Michelle
Bachelet.
Senhor
Presidente,
Além
do meu querido Brasil, sinto-me, aqui, representando todas as mulheres do
mundo. As mulheres anônimas, aquelas que passam fome e não podem dar de comer
aos seus filhos; aquelas que padecem de doenças e não podem se tratar; aquelas
que sofrem violência e são discriminadas no emprego, na sociedade e na vida
familiar; aquelas cujo trabalho no lar cria as gerações futuras.
Junto
minha voz às vozes das mulheres que ousaram lutar, que ousaram participar da
vida política e da vida profissional, e conquistaram o espaço de poder que me
permite estar aqui hoje.
Como
mulher que sofreu tortura no cárcere, sei como são importantes os valores da
democracia, da justiça, dos direitos humanos e da liberdade.
E
é com a esperança de que estes valores continuem inspirando o trabalho desta
Casa das Nações que tenho a honra de iniciar o Debate Geral da 66ª Assembleia
Geral da ONU.
Muito
obrigada.”
Reproduzido
do Blog do Planalto